128 MORTOS

Foto: Raul Santiago

É a maior matança em comunidades do RJ

A megaoperação da polícia do Rio contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte, teve o maior número de mortes em uma incursão desse tipo. Segundo informações oficiais, foram ao menos 128 pessoas mortas nesta terça-feira (28).

Ao longo da madrugada desta quarta-feira (29), moradores do Complexo da Penha levaram pelo menos 60 corpos para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, uma das principais da região. A princípio, os corpos levados à praça não foram contabilizados no balanço inicial de mortes, o que totalizaria mais de 120 corpos.

Até então, o maior número de baixas tinha ocorrido na Favela do Jacarezinho, em maior de 2021, com 28 mortos em ação policial. Uma operação na Vila Cruzeiro, em maio de 2022, resultou em 24 mortes. Todas as operações aconteceram no governo de Cláudio Castro (PL).

Moradores afirmam que ainda há muitos mortos no alto do morro. O ativista Raull Santiago, que está na Praça São Lucas, para onde os corpos estão sendo levados, afirmou, ao site G1, que, em 36 anos, nunca viu “nada parecido com o que estou vendo hoje. É algo novo. Brutal e violento num nível desconhecido”, disse.

“Está bem difícil. Os familiares estão chegando, é muito choro e muito grito. A ficha está começando a cair, um cheiro podre de pessoas mortas e tem mais corpos chegando. Nada me marca tanto quanto o choro da família. Os corpos como estão ali, estraçalhados e violados, infelizmente não me choca tanto quanto o choro dos familiares”, relatou Raull Santiago em vídeo publicado nas redes sociais.

Uma nota conjunta de 27 organizações da sociedade civil repudiou a operação. Segundo as organizações, “segurança pública não se faz com sangue” e os resultados da operação desta terça-feira expõem “o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado”.

Sob a chamada Operação Contenção, uma iniciativa permanente do governo do estado de combate ao avanço do CV por territórios fluminenses,ar. 2.500 policiais civis e militares atuam para cumprir mandados de busca e apreensão e capturar lideranças criminosas do Rio e de outros estados.

No início da tarde, pistas da Linha Amarela, da rua Dias da Cruz, no Méier, e da Grajaú-Jacarepaguá, dentre outras vias foram fechadas a mando do tráfico. Em função dos bloqueios, o Centro de Operações e Resiliência (COR) do Rio elevou o estágio operacional da cidade para o nível 2, de uma escala de 5.

“Essa operação de hoje tem muito pouco a ver com segurança pública. É um estado de defesa. Não é mais só responsabilidade do estado, excede as nossas competências. Já era pra ter um trabalho de integração com as forças federais. O Rio está sozinho”, afirmou o governador Cláudio Castro.

Em nota, o Ministério da Justiça rebateu o governador e informou ter atendido prontamente a todos os pedidos do governo do estado para o emprego da Força Nacional, além de a Polícia Federal ter realizado 178 operações no Rio neste ano, sendo 24 delas voltadas ao combate ao tráfico de drogas e armas.

O texto destaca também que a Polícia Rodoviária Federal tem promovido ações contra roubos de cargas e de veículos nas rodovias federais. Segundo o ministério, o estado do Rio tem recebido recursos federais para investimento no sistema penitenciário e na segurança pública, além de doações de equipamentos.

De acordo com Castro, essa foi a maior operação da história das forças de segurança do estado, que teria levado mais de um ano de investigação e mais de 60 dias de planejamento. Mas, de acordo com o próprio governo, na ação foi preso apenas um líder do Comando Vermelho, responsável pela guerra do Chapadão.

Para especialistas, a operação gerou um grande impacto na capital fluminense e não atingiu o objetivo de conter o crime organizado, pelo contrário, ações como esta apenas fortalecem a violência.

“Essa lógica de medir força armada bélica com estruturas do tráfico sempre resultaram em mortes cada vez maiores, em sofrimento cada vez mais intenso, perda de acesso a serviços públicos, perda de mobilidade urbana, os mais frágeis sempre vão sofrer muito mais. A economia é afetada diretamente e o problema nunca foi sequer arranhado”, diz o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José Cláudio Souza Alves à Agência Brasil.

“Isso tudo que vocês estão vendo aí hoje, arrebentando no Rio de Janeiro todo, é apenas uma imensa e gigantesca cortina de fumaça, um rolo gigantesco de fumaça cegando a todos”, diz, Alves.

Os criminosos usaram drones para lançar bombas contra as equipes policiais e a população, no Complexo da Penha, para atrasar o avanço da operação.

Diversas barricadas foram colocadas nas vias pelos criminosos para impedir a entrada das forças policiais.

Para o diretor da Iniciativa Direto à Memória e Justiça Racial e militante do movimento de favelas, Fransérgio Goulart, o que se vê é uma guerra dentro de territórios negros e pobres. “Chama a atenção os corpos negros algemados. Os corpos jogados pelo chão da favela, fora os desaparecidos no entorno da mata. A polícia não age da mesma forma na Zona Sul. Agora mesmo, passei de ônibus pela região, e a praia estava cheia. Nos territórios pretos, a polícia age historicamente de outra forma”, diz Fransérgio à Agencia Brasil.

“O que eu mais estranho é a própria grande mídia entrar nesse discurso de dar muito peso ao fato de os mortos serem bandidos ou não, nessa dualidade simplista. A gente teve, pelo menos, 64 pessoas mortas por causa de uma operação policial. Isso no mundo inteiro iria causar um impacto, uma comoção, uma sensibilização. E o governador está passando ileso. A política de segurança pública dele executou 64 pessoas”, complementa.

Fransérgio também critica o alto montante do orçamento público destinado às ações de confronto da polícia. “O orçamento público previsto para as polícias no estado do Rio de Janeiro em 2026 é de R$ 19 bilhões. E esses recursos servem a uma política de produção de morte. Não para pensar uma polícia de inteligência, de menos confrontos. Qual o custo dessa operação policial para os cofres públicos, diretos e indiretos? Quais os custos de uma cidade parada, do caos que foi gerado?”, questiona.

Segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do Rio de Janeiro, por estar localizado próximo a vias expressas e ser ponto estratégico para o escoamento de drogas e armamentos, o complexo de favelas se tornou uma das principais bases do projeto expansionista do Comando Vermelho, especialmente em comunidades da região de Jacarepaguá.

Ao todo, a Promotoria denunciou 67 pessoas pelo crime de associação para o tráfico, e três homens também foram denunciados por tortura.

Em nota, o Instituto Fogo Cruzado afirmou que ações como esta não combatem de fato o crime organizado. “Combater o crime organizado exige outra lógica. É preciso atacar fluxos financeiros, investigar lavagem de dinheiro, fortalecer corregedorias independentes e combater a corrupção dentro do Estado. Tudo que o Rio de Janeiro não faz há décadas”, afirmou em nota.

“As polícias do Rio começaram o dia com a Operação Contenção e o que se viu foi parte expressiva da população na linha de tiro e uma cidade inteira parada. Este é o planejamento do governo do estado? Operações como essa mostram a incapacidade do governo estadual de fazer política pública de segurança pública”, explicou.

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Moradores viveram momentos de pânico e medo
Moradores do Rio de Janeiro viveram momentos de pânico e medo nesta terça-feira (28) diante da operação policial nos Complexos da Penha e do Alemão. A professora Marise Flor conta que ficou no meio de um tiroteio ao pegar um ônibus de volta para casa. O filho chegou a tentar buscá-la de carro, mas não conseguiu passar pelos bloqueios. Ela precisou descer na estação Outeiro Santo, no corredor Transolímpica, em Jacarepaguá, na zona oeste por causa das barricadas, montadas pelas facções criminosas.

Segundo ela, os policiais militares chegaram e atiraram para dispersar os moradores que insistiam em permanecer no local. Neste momento, Marise Flor voltou para dentro da estação para fugir dos tiros “Entrei na estação de volta por baixo da roleta para me esconder dos tiros”, disse à Agência Brasil.

Entidades de direitos humanos repudiam operação
Uma nota conjunta de 27 organizações da sociedade civil repudiou a operação. Segundo as organizações, “segurança pública não se faz com sangue” e os resultados da operação desta terça-feira expõem “o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado”.

“O resultado se expressa em um completo estado de insegurança aos cidadãos, onde passam a ocupar o lugar de reféns tanto da ação violenta do Estado, quanto das retaliações produzidas pelas lideranças do tráfico. Não há justificativa para que uma política estatal continue a ser conduzida a partir do derramamento de sangue. A segurança pública deve garantir direitos, não violá-los”, diz a nota.

Assinam o texto, as entidades Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania — CESeC, Conectas Direitos Humanos, Centro pela Justiça e o Direito Internacional — CEJIL, Instituto Papo Reto do Complexo do Alemão, Redes da Maré, Instituto de Estudos da Religião — ISER, Observatório de Favelas, Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP), Movimento Unidos dos Camelôs, Grupo Tortura Nunca Mais — RJ, Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro, CIDADES – Núcleo de Pesquisa Urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Defensores de Direitos Humanos — DDH, Iniciativa Direito Memória e Justiça Racial, Frente Estadual pelo Desencarceramento — RJ, Instituto Terra Trabalho e Cidadania — ITTC, Associação de Amigos/as e Familiares de Pessoas Presas e Internos/as da Fundação Casa — Amparar, Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares — GAJOP, Instituto Sou da Paz, Rede Justiça Criminal, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional — FASE RJ, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares — RENAP RJ, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Casa Fluminense e Plataforma Justa.

Fonte: ICL Notícias

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